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  • Foto do escritorVictória Batista

A História

Atualizado: 26 de jun. de 2022

"El Aquelarre" (Sabá das Bruxas) - Francisco de Goya


Que a prática de bruxaria é extremamente apagada e mal interpretada nós já sabemos, mas qual o por quê disso?

Para entender isso melhor, é necessário compreender a história por trás das bruxas, dos povos pagãos e principalmente da Inquisição, que veio a massacrar tantas de nós com alegações de heresia. Vamos então analisar a linha do tempo, mesmo que superficialmente, para colocarmos os pingos nos is.

Na Era Medieval, como já expliquei em outro post, os povos pagãos foram condenados por suas crenças politeístas e direcionadas à natureza. O povo romano desenvolveu sua crença oposta, e a deidade maior se tornou a personificação do homem, o Deus Pai Todo Poderoso, que continha seu combatente em equilíbrio, o Satã. Os líderes cristãos exigiam soberania, e então as práticas não cristãs eram condenadas.

É necessário apontar que, mesmo nos povos patriarcais antigos, eram ainda as mulheres que detinham o conhecimento medicinal; elas entendiam seus corpos e sua ligação com os ciclos da natureza, e tinham o saber das ervas que curavam e envenenavam, representando uma ameaça para os homens que desejavam obter o poder e a sabedoria todos para si. Naturalmente, tendo desprezado tanto as práticas que iam além da fé em Deus, vendo a força que exerciam, a figura que se escolhe para jogar à fogueira é a da mulher, poderosa e sábia. Queimar bruxas era a forma que se usou para impor e reforçar seu poder, e tendo exercido tal domínio sobre o feminino, que se apresenta até hoje como maioria populacional, foi então capaz de exercer domínio sobre outros povos e culturas que se mostravam “minoria”. Se incluem aqui negros, indígenas e todos os outros povos e culturas que sofreram nas mãos dos homens brancos e europeus.

Fazendo a dona de si se tornar dona de casa, temerosa de que ir contra as regras do patriarcado seria uma sentença de morte, fomos reduzidas a papéis menores dentro da sociedade, e apenas servindo para o ato de reproduzir. A mulher velha que não pode mais cumprir com a reprodução é enforcada, a mulher que aborta em realidade oferece bebês para o Satã, a mulher muito bonita é desejada e então se corta sua cabeça por seduzir homens de bem e ela quando feia se torna um símbolo da feiura do diabo. Sinto a necessidade de apontar aqui que ser dona de casa e mãe de família são papéis não são só importantes dentro da estrutura social mas completamente válidos para qualquer mulher, desde que seja este seu desejo e sua escolha.

As histórias das bruxas malignas que moravam na floresta, cultuavam e se deitavam com Satã e sacrificavam e comiam criancinhas eram devidamente assustadoras, e a partir do terror generalizado começou então a infama Caça às Bruxas, sancionada pelo papa. O Mallus Malleficarum, livro guia escrito na época com intuito de identificar e torturar bruxas, é a clara representação do teor misógino dessa tão certamente denominada “Caça”, pois é unanime sua indicação como a mais absurda e sexista obra já escrita na história.

As perseguições da Inquisição foram mais intensas nos séculos 17 e 18 na Europa, e mais de cem mil pessoas morrem por bruxaria durante a Era Medieval, a imensa maioria sendo mulheres. Na Inglaterra, elas eram enforcadas, já no resto da Europa eram queimadas vivas na fogueira, devido às leis locais.


"Examination of a Witch" (Exame de uma Bruxa) - Tompkins Matteson


As práticas de magia nunca desapareceram por completo, apenas se metamorfosearam, e a relação do medo popular com assuntos sobrenaturais mingua ao fim do século 18. O pensamento mais científico e racional toma conta e a bruxaria se torna superstição, e então piada, e vemos até hoje essa herança do Iluminismo onde a bruxaria é vista como delirante e tola. Na virada do século 19, o ocultismo cresce, o ideias espíritas, o conhecimento acerca dos médiuns, assim como a edificação do tarô e outras formas de divinação; e em meados do século 20, é introduzido o neopaganismo, que já comentei aqui. Esse termo guarda-chuva engloba várias religiões que trazem consigo uma renovação das crenças pagãs antigas, e se tornou comum em vários lugares do mundo.

Através dessa expansão acerca das vias místicas e esotéricas, são introduzidos novos conceitos e até religiões, como a Wicca. E como toda religião, ela tem suas festividades, representadas principalmente pelos sabás da Roda do Ano. A história que acabo de contar aconteceu na Europa, no hemisfério norte, que transparece diretamente em uma das formas que se encontrou para converter mais facilmente os povos pagãos para o Cristianismo, através da adaptação de suas datas comemorativas.

O Natal por exemplo, acontece no dia 25 de dezembro, apenas dias após o solstício de Inverno no hemisfério norte, também conhecido como Yule. Todos os simbolismos que estamos tão familiarizados nessa época como o pinheiro, as pinhas, estrelas, velas e guirlandas são trazidos do Yule; representações do inverno nortenho que foram traduzidas para o Cristianismo. A Páscoa também não fica fora disso, seus simbolismos são todos vindos do Ostara, o equinócio de primavera, que tem como principal significado a fertilidade. E o que melhor para representar a fertilidade do que o ovo e o coelho, um dos animais mais férteis do reino animal?

Até Samhain, que no norte acontece dia 31 de outubro. Essa data te lembra alguma coisa? Sim, o famigerado Halloween, Dia das Bruxas ou Dia de todos os Santos. Samhain representa uma conexão com nossos ancestrais e todos aqueles que já se foram, é a época do ano em que o véu entre o mundo material e o espiritual está mais fino. Tempos bruxescos, realmente. No hemisfério norte apenas se tornou mais comercial, já aqui no sul acontece Finados dois dias depois, mais uma data cristã que traz exatamente o mesmo significado de seu originário pagão. No México, essa festividade é trazida como o Día de Los Muertos.

Assim vemos que a jornada da bruxa e a jornada da mulher estão completamente entrelaçadas, representando tanto o poder do patriarcado que reina até hoje quanto o poder da Igreja, que visou apagar a cultura pagã e domar o corpo e papel social da mulher. Fico até sem palavras ao final de tudo isso, pois sofremos com essa domesticação e discriminação até hoje, mesmo que muitos ainda digam que não.

Tudo que espero ter ensinado com isso é o desejo de questionar e pesquisar e buscar a verdade, sem se contentar com a fachada polida de tantas instituições impostas à nós desde o berço. O passado é até muito mais sangrento do que fiz parecer aqui, mas a obtenção do conhecimento é mais importante do que contos de fada que mascaram tantas realidades.

Obrigado por ter ficado até aqui, até breve e blessed be.


gravura de 1678 / via The Granger Collection/Alamy

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